O futuro e o negócio moda

Difícil imaginar um mundo sem roupas. Roupas protegem nosso corpo e também constroem nossa identidade. Roupa é função, mas também é cultura. E faz girar uma das maiores cadeias de negócio do planeta, dando emprego para milhões de pessoas e gerando receita de cerca de 1,3 trilhões de dólares.

É uma indústria gigante que, desde o início do século 21, viu a sua produção praticamente duplicar, em grande parte impulsionada pelo modelo do fast fashion. O que seria uma ótima notícia se ela não viesse acompanhada por fatores socioambientais de impacto negativo dos quais já estamos cientes. Como, por exemplo, o grande volume de resíduos têxteis. A cada segundo, um caminhão de lixo de resíduos têxteis é despejado em aterros sanitários ou incinerado. A informação é do relatório A new textiles economy: Redesigning fashion’s future (em tradução livre, Uma nova economia têxtil: Redesenhando o futuro da moda), publicado no final de 2017 pela Fundação Ellen MacArthur, instituição que fomenta a reflexão e debate sobre economia circular.

A produção de roupas duplicou no século 21

O relatório compilou outros dados relevantes. O processo produtivo da cadeia é responsável pela emissão de 1,2 bilhão de toneladas de gases efeito estufa na atmosfera, mais do que o total dos emitidos em conjunto por voos internacionais e transporte marítimo. Cerca de meio milhão de dólares são perdidos anualmente devido ao rápido descarte de roupas, já que o número de vezes que uma mesma peça é usada diminuiu em torno de 36% nos últimos 15 anos. Anualmente, a indústria consome 93 bilhões de metros cúbicos de água e depende de recursos não-renováveis. E até 2050, a cadeia despejará 22 milhões de toneladas de microplásticos no oceano e será responsável por um quarto das emissões de CO² do planeta.

Uma indústria com tamanho impacto sobreviverá se mantiver o sistema linear pelo qual ainda opera?

Um horizonte de desafios e oportunidades

A questão do desenvolvimento sustentável vem frequentando a pauta das grandes corporações desde meados dos anos 90. O conceito do triple bottom line (tripé da sustentabilidade) tem sido observado cada vez mais. Criado pelo inglês John Elkington, o conceito qualifica como negócio sustentável aquele que é realizado de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável.

Assim como ocorre em outros setores produtivos, a indústria da moda terá de buscar novos caminhos para prosperar em um mundo com desigualdades, mudanças climáticas drásticas e recursos naturais limitados. Caso não mude, projeções do Boston Consulting Group indicam queda de cerca de três pontos percentuais na margem do EBTIDA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). O que significaria uma redução nos lucros estimada em 52 bilhões de dólares.

Os novos caminhos também devem atender às expectativas de um consumidor mais informado, atento a temas como consumo consciente, vida saudável, ética, transparência, autenticidade e sustentabilidade em seu sentido mais amplo.

Fazendo a diferença

É um consumidor que se engaja em causas globais, que diz não ao desperdício, ao consumo excessivo e que prefere compartilhar experiências a “ter” coisas. Segundo estudo do Euromonitor sobre macrotendências de consumo realizado no ano passado, cerca de 60% dos jovens entrevistados entre 20 e 29 anos acreditam que suas escolhas e ações podem resultar em impacto positivo e fazer diferença no mundo.

Algumas mudanças de comportamento já foram observadas. Análises feitas nos Estados Unidos e Europa nos últimos dois anos apontam que a roupa trendy, barata e descartável, vem perdendo espaço entre os Millennials, que passaram a preferir marcas locais e peças de maior qualidade e design apurado, que possam durar mais de uma estação. Também entram na lista de preferidos peças eco-friendly, confeccionadas com matérias primas orgânicas ou veganas, além das compras em brechós e o upcycling.

Linha Conscious, da H&M

Em busca de saídas

Para entrar em sintonia com seu principal público, grupos do fast fashion deram o start a iniciativas que atendem, em parte, a estas novas demandas. H&M criou a linha Conscious e Zara lançou a coleção Join Life, ambas confeccionadas com tecidos feitos a partir de fibras recicladas, garrafas pet ou até mesmo redes de pesca. Tanto Zara como H&M implantaram programas de reciclagem de roupas usadas, disponibilizando pontos de coleta ou retirando na casa de seus consumidores. No ano passado, o grupo H&M colocou no mercado uma nova marca, Arket, alinhada aos princípios do slow fashion e da moda ética: design atemporal, rastreamento da cadeia produtiva, matérias primas orgânicas, recicladas e de origem.

A C&A é um dos players mundiais mais ativos na busca por um sistema mais sustentável

Em maio deste ano, 94 empresas, que representam 12,5% do mercado mundial da moda, assinaram um termo de compromisso para implementar ações que visam garantir um índice maior de sustentabilidade na cadeia produtiva. Entre os principais players da moda global é consenso a necessidade de mudar. Resta saber como e quando esta mudança se dará.

Com um volume de negócios de 45 bilhões de dólares registrado em 2017, o que o qualifica como um dos cinco maiores países produtores do mundo, o negócio da moda no Brasil ainda tem um bom caminho pela frente rumo à economia circular, embora já existam iniciativas em ação como o Movimento Reciclo, da C&A. Investir na reflexão, análise e transformação desta cadeia, tornando-a capaz de ser um dos principais agentes mundiais, é algo que pode valer a pena.

 

Este conteúdo publiquei originalmente na coluna Prisma, de minha autoria, no fashion trade magazine World Fashion, em setembro 2018.

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